MULHER MARAVILHA DE PORTO PIM
Teatro de Mar
Performance flutuante em Porto Pim a partir dos contos de Antonio Tabucchi e outros textos e poemas
Concepção artística:
Letícia do Carmo, Sónia Vieira Cardoso e Sandra Cardoso
@ Festival Maravilha, Horta, Faial, Açores
2 de Julho 2021, 18h
MULHER MARAVILHA DE PORTO PIM
A partir dos contos de Antonio Tabucchi, de antigos relatos de viajantes pelo Faial e Pico, de outras histórias e poemas, a Mulher de Porto Pim é reinventada pelo Colectivo Trilhos, apresentada num espectáculo criado de raiz para o palco flutuante de Porto Pim do Festival Maravilha. Esta nova Mulher Maravilha de Porto Pim, agora encarnada em vulcão, revelar-se-á ao desfazer-se do tradicional capote que a cobre, entrando em erupção e libertando a sua lava, o seu sangue.
Acompanhada por dois kurokos que a transportam e a vão descobrindo, esta performance marinha desenrola-se num universo onírico, inquietante e explosivo.
Mulher Maravilha de Porto Pim - textos seleccionados e lidos durante a performance
E AO ANOITECER...
Al Berto
E ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão deixas viver sobre a pele uma criança de lume E na fria lava da noite ensinas ao corpo a paciência o amor o abandono das palavras o silêncio e a difícil arte da melancolia
HÁ DE FLUTUAR UMA CIDADE...
Al Berto
Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida pensava eu... como seria feliz a mulher à beira mar debruçada para a luz caiada remendando o pano das velas espiando o mar e a longitude do amor embarcado
CANTO DAS MOREIAS
Mulher de Porto Pim, 1983. Antonio Tabucchi
As noites em Porto Pim são silenciosas, basta sussurrar no escuro para se ouvir à distância. Deixa-me entrar, supliquei-lhe. Ela fechou a persiana e apagou a luz. A lua estava a nascer, com um véu vermelho de lua de Verão. Sentia-me perturbado, a água marulhava à minha volta, tudo era tão intenso e ao mesmo tempo tão inalcançável, e lembrei-me de quando era criança e à noite, da falésia, chamava as moreias; e então tive uma fantasia, não pude conter-me e comecei a entoar aquele canto.
Cantei-o baixinho, como um lamento ou uma súplica...
HESPÉRIDES - ILHAS DEUSES
Mulher de Porto Pim, 1983. Antonio Tabucchi
O seu panteao não é habitado por deuses como os nossos, que presidem ao ceu, à terra, ao mar, aos infernos, aos bosques, às searas, à guerra e à paz e às coisas dos homens. São pelo contrário deuses do espírito, do sentimento e da paixão. Os principais são nove, como as ilhas e cada um tem o seu templo numa ilha diferente.
ESORES
Viajantes nos Açores: André Thevet, 1575
A estas ilhas deu-se o nome de Esores. Essorer também é uma palavra francesa que significa enxugar e secar, ou pôr algo a arejar ao vento.
PICO EM METAMORFOSE
Açores, O segredo das ilhas, 2000. João de Melo.
Um cenário de sonho que se move dentro e ao redor de nós, a montanha pertence à ilha do Pico, mas só o Faial contempla o seu mimetismo, a contínua metamorfose da sua presença. Apenas a montanha e as suas nuvens. Tudo aqui alterna entre o oculto e a sua revelação. Ele, que exerce sobre o tempo uma força centrípeta, comanda todo o movimento giratório dos céus que pairam em volta.
VULCÕES 1
Viajantes nos Açores: Jean Gustave Hebbe, 1809
A 15 de Dezembro de 1719 ergueu-se, entre o Pico e São Miguel, um vulcão que tornou a submergir a 17 de Novembro de 1725. A cada instante o mesmo poderá voltar a acontecer. A cada instante o mesmo poderá voltar a acontecer. A cada instante o mesmo poderá voltar a acontecer. A cada instante o mesmo poderá voltar a acontecer. A cada instante o mesmo poderá voltar a acontecer.
TIMÍDAS, APAGADAS
Viajantes nos Açores: Jules Verne, 1907
Tímidas, apagadas, escondidas num manto comprido de capuz pequeno e fechado, elas passavam, estas mulheres, como fantasmas, sem que pudéssemos discernir o seu rosto, à medida que nos afastavamos dos centros populosos, os capuzes cerravam-se ainda mais e os turistas viam com espanto as mulheres a virarem-se modestamente contra os muros quando eles se aproximavam.
VULCÕES 2
Viajantes nos Açores: Roxana Lewis Dabney, 1806 - 1871
Doze a quinze pequenos vulcões a rebentarem nos campos, expelindo muita lava que seguia devagar em direcção à vila.
O CAPOTE
As ilhas desconhecidas, Raúl Brandão.
O que dá um grande caracter a esta terra é o capote. A gente segue pelas ruas desertas e de quando em quando irrompe de uma porta um fantasma negro e disforme de grande capuz pela cabeça.
A CRATERA
Viajantes nos Açores. Roxana Lewis Dabney, 1806 - 1871
A cratera tinha estado adormecida e explodiu como um leão, um leão feroz com rugidos horriveis que se ouviam à distância. Terrível, mas magnífico espectáculo de um belo rio de fogo a correr para o mar podia ser visto nitidamente do Faial.
SÓ HÁ UMA COISA A FAZER...
As ilhas desconhecidas, 1924. Raúl Brandão
Só acolá, sob o castelo da proa, embrulhada num xale e sentada sobre um baú de lata, aquela mulher do povo sente como eu o terror sagrado do mar – e não o oculta. Olha petrificada. Aqui só há uma coisa a fazer, é a gente entregar-se.
A LAVA INUNDOU
Viajantes nos Açores. Roxana Lewis Dabney, 1806 - 1871
A lava inundou e fez desaparecer a vila de Urzelina. Casa e casinha, quintas e a maior parte dos habitantes fugir, porém alguns queimaram a pele e também a carne.
SANGUE
Mulher de Porto Pim, 1983. Antonio Tabucchi
Pela primeira vez o sangue faz a sua aparição. eis a verdadeira flor do mundo. A força do mundo superior, o seu encanto, a sua beleza é o sangue.
O RECOMEÇO
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Um ponto e acaba o mundo. O nosso mundo agora é outro.
MONTANHAS E ILHAS NO CORPO
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Essas montanhas e ilhas representadas no teu corpo !
HESPÉRIDES - DEUS DO AMOR
Mulher de Porto Pim, 1983. Antonio Tabucchi
O templo do Deus do amor ergue-se numa ilha de praias louras e em arco, na areia dourada acariciada pelo mar. E a imagem do Deus não é idolo nem qualquer coisa de visível, mas um som, um puro som da água marinha que entra no templo através de um canal cravado na rocha e que se despedaça numa concha secreta, reproduzindo-se num eco infinito que arrasta quem o ouve e causa uma espécie de embriaguez ou de tontura.
SILÊNCIO ABSOLUTO
Viajantes nos Açores: Joseph & Henry Bullar, 1841
Não sei exprimir o silêncio profundo e sagrado desta ampla montanha onde não há rasto de homem, nem zumbido de insecto, nem murmúrio de água corrente, nem sussurro do vento entre os penedos, nem o canto de ave madrugadora; nenhum som que nos recorde aurora ou até a vida. Nada senão o perpassar da sombra de uma nuvem.
BALEIA-SEREIA, AMOR IMPOSSIVEL
Mulher de Porto Pim, 1983. Antonio Tabucchi
Como deve ser penoso o seu amar-se: áspero, quase brusco, imediato, sem uma macia capa de gordura, facilitado pela sua natureza filiforme que não prevê a heróica dificuldade da união nem os esplêndidos e ternos esforços para a consumar
FIM.
As ilhas desconhecidas, 1924. Raúl Brandão
E é esta luz que me acompanha e nunca mais me larga
EQUIPA
Voz: Sónia Vieira Cardoso
Edição de som: Sandra Cardoso e Letícia do Carmo
Mulher Maravilha: Letícia do Carmo
Kurokos: Sónia Vieira Cardoso e Sandra Cardoso